Vida significativa

maos_dadas

Mudamos as palavras conforme o tempo passa.

Tive as minhas doses de perdas, de enganos e vitórias. Ganhos e perdas, de emprego, amigos, viradas espetaculares e compromisso comigo.

As minhas palavras já não são as mesmas de anos atrás, eu já não sou a mesma. E de novo trocarei a minha casca, pois essa já não me cabe mais.

Sinto o desconforto da mudança chegando e não há o que impeça que ela chegue novamente a te mim.

Nos comunicamos o tempo inteiro nessa eterna solidão.

A solidão bem vivida é saudável, nos faz crescer com a nossa própria companhia. Essa solidão vivida atualmente, não. Dependemos do contato do outro, da espera interminável pela resposta, pela migalha de um pouco de atenção repartida em mil pedaços, com mil pessoas.

Estamos todos deprimidos, todos raivosos, todos mentindo suas fragilidades, suas decepções, suas impaciências, preocupações.

Já não é permitido mostrar. Não podemos perguntar e devemos saber o que responder.

Tudo aquilo a que resistimos, persiste dentro de nós e assim a cada dia mais a humanidade vai se tornando doente.

Menos contato físico, mais conversas e discussões intermináveis, risadas, brigas e lágrimas realizadas na tradução seca e fria de um algoritmo. Sempre protegidos por esse falso escudo.

Um celular, um chip, um aplicativo. É isso que nos conecta. É esse o novo elo que une corações, que une pessoas, que nos faz relacionar-se. ´

Estamos permanentemente perto, juntos, mas realmente estamos conectados? Ou estar “conectados” o tempo todo é somente a nova droga, a nova ilusão?

Você está “on line” ou está presente?

Quantas vezes você leu correndo uma mensagem e respondeu instantaneamente sem ao menos refletir?

Quantas vezes, você refletiu demais para que a sua resposta fosse a mais “sensacional” possível, mas longe do que ia no seu coração?

Quantas vezes você se conectou a mais de uma pessoa, não dando atenção genuína para ninguém?

Percebemos que nossas palavras escritas, não são exatamente representadas quando escrevemos, mesmo que tenhamos tirado 10 a vida toda em redação. A nossa emoção fala ao escrever e esse texto, ao ser lido num futuro, acaba não fazendo o menor sentido até para nós mesmos.

As nossas palavras faladas muitas vezes exprimem velhos sentimentos guardados, que deveriam ter sido elaborados, mas que ainda nos machucam e achamos que por ser através de um aplicativo, que o outro vai sofrer menos, que vai doer menos, que vai machucar menos, ou vai “entender menos do que é”, então aproveitamos e carregamos no sentimento, tudo aquilo que está nos matando por dentro.

E machucamos. Machucamos muito. Com reciprocidade sempre, também somos imensamente machucados pelas duras palavras que chegam até nós.

O outro lado também é verdadeiro. Desejamos amar imensamente, e achamos que amamos através da gélida troca de bites e bytes. Não convivemos. Trocamos palavras.

Enganamos a nós mesmos achando que estamos vivendo aquele amor de Vinícius de Moraes: “aquela coisa que chora, que sofre, que ama e que é só perdão” quando na verdade só estamos nos transformando mais e mais em um ser medroso e desconectado da nossa essência.

Aproveitamos muito, simulamos sentimentos até para nós mesmos, fingimos não ler nas entrelinhas, porque daqui a pouco tudo acabará mesmo! E aí eu deleto, eu excluo, eu continuo, passo para o próximo e ainda finjo estar muito bem e feliz.

Um pouco mais vazio, um pouco mais solitário, um pouco mais perdido, sem entender como nos tornamos tão descartáveis.

Acreditamos piamente que através do aplicativo, vivendo à distância, podemos dizer tudo, falar tudo, tudo é permitido. Planos, declarações, músicas, discussões, podemos ser aquilo que gostaríamos de ser mesmo que a nossa covardia não nos permita.

Podemos através de um celular, viver um romance sem dor, porque ao menor sinal de fraqueza ou fragilidade, você simplesmente ignora deliberadamente, deleta e segue a vida, como se pessoas fossem literalmente um item, uma foto ruim e pudessem ser deletadas, descartadas da nossa vida.

Tivemos séculos, para sermos enfim livres para amar e agora que a oportunidade chegou, covardemente nos escondemos através dos nossos aparelhos de simular a vida real.

Devemos refletir sobre os nossos atos e o que queremos de verdade. Falar menos, postar menos o que eu privilegiar o real, conforme for permitido, estar presente através de encontros, conversas e contato físico.

Precisamos e queremos a risada, o abraço e papos longos, olho no olho e gelado na barriga. Não há nada melhor que chegar em casa após um encontro real com amigos, parentes ou com quem quer que for. Chegamos genuinamente felizes. Preenchidos de vida.

Essas conversas são as que preenchem realmente a alma. São exatamente nos encontros reais que as nossas memórias são feitas.

Não nos enganemos, queremos ainda o “cozimento lento” para qualquer relacionamento. Onde você olha, você cuida, você está lá presente, tanto para não queimar, quando para aumentar o fogo quando for necessário.

Não se engane, conversas de verdade ainda são realizadas pessoalmente.

Queremos a conversa certeira e responsável, menos desentendimentos, mais compreensão, pois quando olhamos nos olhos de alguém sabemos que não podemos falar tudo o que vai à cabeça, tomamos muito cuidado, não podemos e nem vamos prometer o que não podemos cumprir, não faremos planos descabidos, não mentiremos, pois nossos olhos falam por nós.

Quando estamos frente a frente com alguém, estamos conectados com essa pessoa, mas também estamos sendo muito coerentes e conectados com nós mesmos.

Para a vida realmente ter valor, devemos ser aquilo que somos: humanos e entender que meu celular me pertence, eu não pertenço ao meu celular, portanto, preciso ainda de pessoas e abraços, segurar na mão, chorar e ser consolada,  consolar, abraçar, rir até a barriga doer, conversar olhando nos olhos.

Viver uma vida significativa requer mais interesse, compromisso e comprometimento, querer esforço, dá trabalho, mas traz uma recompensa que aplicativo nenhum trará, a certeza de estarmos vivendo verdadeiramente e não simulando a realidade.